domingo, 28 de junho de 2009


MUNDO GRANDE


Não, meu coração não é maior que o mundo.

É muito menor.

não cabem nem as minhas dores.

Por isso gosto tanto de me contar.

Por isso me dispo,

por isso me grito,

por isso freqüento os jornais,

me exponho cruamente nas livrarias:

preciso de todos.


Sim, meu coração é muito pequeno.

Só agora vejo que nele não cabem os homens.

Os homens estão cá fora, estão na rua.A rua é enorme.

Maior, muito maior do que eu esperava.

Mas também a rua não cabe todos os homens.

A rua é menor que o mundo.

O mundo é grande.


Tu sabes como é grande o mundo.

Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.

Viste as diferentes cores dos homens,

as diferentes dores dos homens,

sabes como é difícil sofrer tudo isso,

amontoar tudo isso num só peito de homem...

sem que ele estale.


Fecha os olhos e esquece.

Escuta a água nos vidros,tão calma, não anuncia nada.

Entretanto escorre nas mãos,tão calma!

Vai inundando tudo...

Renascerão as cidades submersas?

Os homens submersos – voltarão?


Meu coração não sabe.

Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.

Só agora descubro como é triste ignorar certas coisas.

(Na solidão de indivíduo

desaprendi a linguagem com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.

Nunca escutei voz de gente.

Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei países imaginários,

fáceis de habitar,ilhas sem problemas,

não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.

Ilhas perdem o homem.

Entretanto alguns se salvaram

e trouxeram a notíciade que o mundo,

o grande mundo está crescendo todos os dias,

entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.

Entre o amor e o fogo,

entre a vida e o fogo,meu coração cresce dez metros e explode.

– Ó vida futura! Nós te criaremos.


(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 3 de junho de 2009

SOBRE A VIDA


Começo esse post citando Abraham Lincoln que diz que “o homem foi feito para a imortalidade”. Não há como falar de morte sem falar de eternidade. Mesmo quando nos julgamos ateus, algo dentro de nós aponta para a idéia de que nossa vida não termina aqui. Não precisa necessariamente que a gente imagine isso como o céu cheio de anjinhos e a gente de lá pra cá voando no infinito, mas negar que nossa alma conhece a imortalidade não me parece razoável. Você dirá que tudo isso pressupõe uma crença anterior pra se afirmar. Sim, pressupõe. Mas como sou eu que estou escrevendo, eu parto do pressuposto que você crê na imortalidade da alma.
Minha questão aqui é: vou me lembrar de todas as experiências que vivi nesta terra e neste corpo, quando um dia eu me for? E você novamente dirá: mas que diferença isso faz? Para mim que não tenho medo da morte, faz toda a diferença. Não quero esquecer que nasci da Dona Alzirene e do seu Eliú. Que tenho dois irmãos e duas sobrinhas lindas. Não quero esquecer que amei e que fui correspondida, nem que fui feliz, ou que tinha uma casa alegre, cheia de gatos, livros e flores. Não quero esquecer do cheiro do meu travesseiro, do cheiro da terra molhada, do gosto de baião-de-dois - meu prato favorito. Quando penso sobre a morte (e aqui deixo claro que não é um pensamento mórbido, apenas a plena consciência de que ela existe), a única coisa que me vem à mente é que não quero esquecer nada. Talvez se eu tivesse medo de morrer, trataria de me preocupar com questões mais relevantes do que somente não esquecer. Mas como eu creio em Deus e penso que a morte é só a etapa seguinte na nossa existência, quis escrever sobre isso. Por quê? Justamente, porque não quero esquecer. Certamente a essa hora você já está se perguntando: será que ela vai morrer? Bom, eu não tenho nada planejado para breve, mas pode ser daqui a dois minutos, daqui a dois dias, daqui a vinte anos.
O fato é que precisava voltar a postar. E como tenho pensado a respeito disso, de como vivemos negando a existência da morte, achei que esse era um bom assunto pra gente começar. Mas não quero que vejam isso como um assunto triste. Quero que pensem que meditar sobre a morte é também uma maneira de celebrar a vida. Porque quando se tem consciência de que a morte pode estar nos esperando na esquina, a gente se preocupa em não deixar assuntos mal resolvidos, em não protelar coisas urgentes, em ouvir de verdade em vez de apenas fingir que escuta o outro. Aprende a valorizar os pequenos gestos e a dar importância ao que realmente é importante. Pensando assim, a gente extrai da vida o melhor.
Beijo de hoje: Pra Joyce- que carrega um pouco do que sou, em quem me vejo e em quem deposito minhas esperanças de futuro. Uma mocinha que ama livros e poesia como eu.